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Giacometti e os escritores

31/10/2014 06:00:43

Giacometti: esculturas com força poética.
Giacometti: esculturas com força poética.

Por Carlos Ávila

“Será que é a força poética da obra de um artista que suscita belos textos? Ou seria a afinidade entre autor e artista?” – pergunta Célia Euvaldo na apresentação de um pequeno livro, traduzido por ela, com textos do filósofo Jean-Paul Sartre (1905/1980) sobre o artista ítalo-suíço Alberto Giacometti (1905/1980). A força poética muitas vezes se impõe. Mas também pesam as afinidades eletivas e afetivas entre escritores (poetas, romancistas, ensaístas, filósofos…) e artistas plásticos.

Fiquemos no caso do já citado Giacometti – escultor, pintor e desenhista –, um dos mais importantes artistas do século 20 e que recebeu, em 1962, o Grande Prêmio de Escultura da Bienal de Veneza. Além de Sartre, dois outros escritores travaram contato com ele e abordaram a sua original e personalíssima obra: o “maldito” francês Jean Genet (1910/1986), autor do “Diário de um ladrão”, e o nosso poeta mineiro Murilo Mendes (1901/1975), que viveu grande parte de sua vida em Roma, onde se dedicou não só à literatura, mas também à crítica de artes plásticas.

Giacometti morou em Paris durante longo tempo, onde manteve um estúdio na Rue Hippolyte Maindron, um “território da desordem e da poeira”, segundo Murilo. É identificado pelas suas peculiares esculturas em bronze: figuras esguias; homens, mulheres e animais em geral verticalizados, como fios ou arames que parecem se equilibrar com dificuldade; formas tortuosas numa atmosfera solitária (ou vazia). Já suas pinturas e desenhos registram, principalmente, rostos e corpos por meio de um emaranhado de linhas, traços fortes e repetidos, resultando numa textura “nervosa”, algo expressionista (sua mulher Annette e seu irmão Diego foram os seus modelos principais).

Os textos de Genet e Sartre sobre Giacometti (ambos estão traduzidos por Célia e publicados no Brasil) giram criativamente em torno dos provocantes trabalhos do artista, buscando de alguma forma penetrar em seu universo plástico; o de Murilo (incluído nos seus “Retratos Relâmpagos”) é mais contido e distanciado: fragmentos escritos por um visitante ocasional do ateliê do artista, mas de “olho armado” e muito bem informado.

Genet é poético e intuitivo; segundo ele, Giacometti é um “escultor para cegos”: “Meus dedos refazem o percurso dos de Giacometti, mas enquanto os dele buscavam apoio no gesso úmido ou no barro, os meus repõem seus passos com segurança nos dele. E – por fim – minha mão vive, minha mão vê”.

Já Sartre (vivendo o auge do existencialismo, quando travou contato com Giacometti) fala filosoficamente em “obsessão pelo vazio”: “Giacometti é escultor porque carrega seu vazio como um caracol a sua concha, porque quer apresentá-lo sob todos os aspectos e em todas as dimensões”.

Curiosamente, Murilo cita Sartre e Genet no seu breve texto, e assinala: “Penso que a arte de Giacometti, baseada num misto de consciência e colaboração do acaso, significa o tempo mínimo da pessoa humana; o limite do ser”.

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