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Aventuras de Rónai

15/10/2014 06:00:39

Rónai: amor pelas palavras e línguas.
Rónai: amor pelas palavras e línguas.

A tragédia que foi a Segunda Guerra Mundial, particularmente na Europa (com nações invadidas e campos de extermínio de judeus), proporcionou ao Brasil, pelo menos, receber algumas figuras ímpares, na área da cultura; fugidas do nazismo acabaram se radicando por aqui. No campo da literatura, três nomes vêm imediatamente à cabeça: o alemão Anatol Rosenfeld (1912/1973), o austríaco Otto Maria Carpeaux (1900/1978) e o húngaro Paulo Rónai (1907/1972). Infelizmente, andam um pouco esquecidos hoje.

Ensaístas e críticos (Rónai também tradutor), atuantes no jornalismo e autores de livros referenciais, os três prestaram relevantes serviços à cultura brasileira, escrevendo em nossa língua, trazendo informações novas e contribuições ao estudo e à pesquisa. Basta lembrar, rapidamente, os inúmeros trabalhos de Rosenfeld sobre teatro em geral e ainda sobre literatura (entre eles, o básico “Estrutura e problemas da obra literária”); a monumental “História da Literatura Ocidental” (em oito volumes!) e a utilíssima “Nova história da música”, além de diversos ensaios de Carpeaux; e de Rónai, as reflexões sobre tradução e os artigos e livros sobre escritores franceses (Balzac, Proust, Molière etc.) e brasileiros (Drummond e Guimarães Rosa, entre outros) – afora suas traduções de contos de vários autores e idiomas.

Há pouco foi reeditado um delicioso livrinho de Rónai: “Como aprendi o português e outras aventuras” (pelas Edições de Janeiro). Nele o autor, com estilo fluente e claro, relembra, primeiramente, o início de seu interesse pela nossa língua (ainda quando vivia em Budapeste) e o aprendizado da mesma (“Passei seis semanas em Lisboa sem que conseguisse entender patavina da língua falada” – relata no livro; no Brasil conseguiu se comunicar logo na chegada). Mas Rónai também aborda outros temas correlatos: as línguas que não aprendeu; as cem maneiras de estudar idiomas; um cardeal poliglota; a feitura de dicionários; as dez palavras mais bonitas de uma língua (no caso, o francês); os lugares-comuns e os trocadilhos; o ensino do latim, os provérbios e muito mais (inclusive escreve sobre autores franceses de sua predileção).

Afora alguns pequenos detalhes datados, os textos de Rónai, em geral, continuam atuais e instigantes. Ao tratar das diversas formas de se aprender uma língua, acaba concluindo com ironia e bom-humor: “as gerações mais novas levam vantagem às antigas: enquanto estas desperdiçavam tempo em aprender as línguas alheias, aquelas descobriram a maneira de viver muito bem sem saber nem sequer a própria”.

Revelando “uma grande ternura” pelos dicionários, Rónai cita Anatole France: “o dicionário é o livro por excelência”. Também professor e latinista – amante das palavras, da etimologia e da sintaxe –, o “nosso húngaro” era um grande humanista e um verdadeiro estilista, inclusive com antena poética; por exemplo, quando faz uma defesa e ilustração do trocadilho e indaga: “a própria poesia, aliás, não é, sob certo aspecto, um complexo e requintado jogo de palavras?”.

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