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Leminski, 70 anos

03/10/2014 06:00:34

Leminski: poeta de caprichos e relaxos.
Leminski: poeta de caprichos e relaxos.

Por Carlos Ávila

“Pariso/novayorquizo/moscoviteio/sem sair do bar//só não levanto e vou embora/porque tem países/que eu nem chego a Madagascar”. Versos de Paulo Leminski (1944/1989), poeta que era chegado ao álcool (e a otras cositas más) e que fazia do bar seu lar. Nascido em Curitiba, se estivesse vivo teria completado 70 anos este ano. Poeta, tradutor, ensaísta e compositor, o paranaense produziu muito para o seu pouco tempo de vida; ars longa vita brevis. Mas, seguidor de Maiakovski, preferia morrer de vodka que de tédio.

“O Paulo Leminski/é um cachorro louco/que deve ser morto/a pau a pedra/a fogo a pique/senão é bem capaz/o filhadaputa/de fazer chover/em nosso piquenique” – assim se autodefiniu em versos o inquieto poeta, figura fundamental de nossa poesia, nas últimas décadas do século 20. Curiosamente, a trajetória de Leminski passa por BH; ele apareceu por aqui, com 19 anos, na “Semana Nacional de Poesia de Vanguarda”, que foi realizada em 1963, no prédio da reitoria da UFMG. Conheceu os irmãos Campos (Augusto & Haroldo) e, muito impressionado, voltou ao final do evento com eles para São Paulo, num ônibus da Cometa.

Daí em diante foram muitas trocas de cartas e intensas viagens à Paulicéia desvairada; estreou nas páginas da revista “Invenção” (a mais importante naquele momento) – montou um grupo, organizou exposições e publicações de poesia em Curitiba. Estudava e lia muito, em várias línguas. Escreveu um quase ilegível romance, o joyciano “Catatau”. Nos anos 70 tomou uma nova direção poética, unindo o coloquial ao construtivo, retomando o verso (mas com um ‘recorte’ diferente, inusitado para a época) em poemas curtos e comunicativos, alternando lirismo e agressividade. Aproximou-se de poetas mais jovens e participou de várias revistas com eles. Reuniu seus poemas num livrão, com o longo título “Não fosse isso e era menos/Não fosse tanto e era quase” (edição independente, lançada em 1980). O livro causou impacto, influenciou muita gente e o próprio desenvolvimento da poesia no período (são dele os poemas aqui citados).

“Cansei da frase polida/por anjos de cara pálida/palmeiras batendo palmas/ao passarem paradas/agora eu quero a pedrada/chuva de pedras palavras/distribuindo pauladas” – a poesia de Leminski não era bem comportada: num primeiro momento, foi realmente nova, contundente e instigante. Mais tarde, foi diluída (por “discípulos” sem um décimo do seu talento) e autodiluída em fáceis haicais e canções banais.

Com mais de vinte livros publicados (incluindo poesia, prosa, traduções, ensaios e biografias), como já foi dito, Leminski produziu bastante para uma vida curta e dispersa, nada regrada e regada a álcool, drogas e rock’n’roll (e muita MPB também: Caetano gravou a sua canção “Verdura”). Entre seus livros figuram com destaque o “Catatau”, “Caprichos e relaxos” (nome perfeito para qualificar sua produção poética!) e “Anseios crípticos”; traduziu pioneiramente Beckett (“Malone Morre”); também o beat Ferlinghetti, John Fante, Mishima e até John Lennon.

Leminski via (e vivia) poesia em tudo. Dispersou seu enorme talento em diversas atividades (jornalismo, publicidade, música popular, televisão…), não se limitando à literatura. Embora fosse um homem do texto, da palavra, não tinha preconceitos com formas e suportes variados. Adepto do desregramento rimbaudiano, infelizmente nos deixou muito cedo: “apagar-me/diluir-me/desmanchar-me/até que depois/de mim/de nós/de tudo/não reste mais/que o charme”.

 

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