Desmemória cultural
13/08/2014 00:31:56

Mostra resgata a obra do esquecido designer pernambucano Aloísio Magalhães.
Por Carlos Ávila
Já é lugar comum dizer que o brasileiro tem memória curta. De fato. Figuras importantíssimas no processo cultural do país, uma vez falecidas, são geralmente esquecidas ou pouco citadas. Isso vem à cabeça diante da recente abertura, no Itaú Cultural, em São Paulo, de uma mostra retrospectiva do trabalho do designer pernambucano Aloísio Magalhães (1927/1982). Quem se lembra dele hoje em dia ou conhece suas obras?
Aloísio foi um ator importante no cenário de nossa cultura. Seu nome, seguramente, ajudou a forjar o que o filósofo da estética e crítico alemão Max Bense qualificou de “inteligência brasileira”, na segunda metade do século 20; ele figura ao lado de gente como Niemeyer, Lúcio Costa, Burle Marx etc. Aloísio iniciou sua trajetória como pintor (com prêmios e participações em bienais de São Paulo) e programador gráfico (integrou o grupo “O Gráfico Amador”, que editou em Recife primorosos livros de arte e poesia, utilizando uma prensa artesanal).
Pouco tempo depois, Aloísio deu um salto definitivo em direção ao design, tornando-se um pioneiro nessa área no Brasil. Montou um escritório no Rio de Janeiro de onde saíram marcas, embalagens e símbolos memoráveis, como, por exemplo, o BR da Petrobrás, a logomarca do 4º Centenário do Rio e ainda as notas de cruzeiro emitidas no fim dos anos 1960. Foi também um dos fundadores da ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial) ao lado de Alexandre Wollner, Décio Pignatari e outros.
Aloísio teve também uma intensa atuação como articulador e agitador cultural, no âmbito oficial. Fundou o CNRC (Centro Nacional de Referência Cultural), visando registrar e documentar nossos referenciais socioculturais – incluindo o design popular e espontâneo, além do artesanato urbano – por meio de diversos projetos e pesquisas; dirigiu o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; presidiu a Fundação Pró-Memória e foi ainda Secretário da Cultura, no antigo Ministério da Educação e Cultura. Lutou muito junto à Unesco, na Europa, para que Ouro Preto e Olinda se tornassem patrimônios mundiais. Enfim, participou de muitas “batalhas” culturais, nas décadas de 60 e 70.
Em janeiro deste ano morreu o poeta/teórico Moacy Cirne, também nordestino, como Aloísio, só que do Rio Grande do Norte – um importante pesquisador de quadrinhos no Brasil, um pioneiro nesta área. Seu legado (um grande acervo e vários estudos sobre quadrinhos publicados pela Editora Vozes, na qual teve forte atuação) precisa ser reunido e apresentado ao público, antes que ele seja mais uma vítima da desmemoria brasileira.
Há alguns anos atrás o Instituto Moreira Salles, no Rio, realizou um belo evento recuperando o trabalho do engenheiro e poeta mineiro Erthos Albino de Souza (1932/2000) – outro pioneiro no país, juntamente com Waldemar Cordeiro (1925/1973), da poesia e da arte computadorizadas. Espera-se que a mostra sobre Aloísio Magalhães possa motivar o resgate de outras figuras importantes para nossa cultura, mas pouquíssimo conhecidas e, em geral, injustamente esquecidas.