Blog CULTURA

Um poeta-antropólogo

24/08/2016 07:00:34

 

Antônio Risério: poeta-antropólogo baiano, autor de "Mulher, casa e cidade".
Antônio Risério: poeta-antropólogo baiano, autor de “Mulher, casa e cidade”.

Por Carlos Ávila

Risério, você começou muito jovem como poeta e ensaísta; nesta época, v. morava em São Paulo, onde nos conhecemos em 1977. Depois voltou para Salvador e migrou para a área de estudos socio-antropológicos, incluindo temas baianos. Seus poemas foram reunidos em “Fetiche”. A poesia ainda ocupa algum lugar (ou interesse) na sua produção atual?

Sim. Mas, como sempre, é um interesse entre outros. Meu tema central, minha obsessão, sempre foi o Brasil. Dos mais diversos ângulos e pontos de vista: histórico, antropológico etc. Nunca fui um grande leitor de poemas. Ao lado de Dante e Shakespeare, eu lia (até mais) Aristóteles, Freud, antropólogos de todas as épocas. Mas nunca deixei de compor poemas. Eles todos estão agora reunidos num livro, “Outrossim”, que espero lançar a qualquer momento. Está há tempos nas mãos de Sérgio Cohn, da Azougue.

Entre os temas a que você vem se dedicando nos seus estudos e livros mais recentes está o urbanismo – as cidades (principalmente no Brasil). Poderia definir sinteticamente, em linhas gerais, a nossa “confusão” urbana, suburbana e rural? Não faltam mais planejamento e projetos sérios nessa área no país?

O campo, no seu sentido tradicional, acabou. Existe só na ficção regionalista da década de 1930. O computador chegou ao curral e jatinhos cruzam o céu do cerrado. Nossa questão é urbana. Atravessamos hoje a maior crise urbana de nossa história. E nossos governantes (federais, estaduais, municipais) não se preocupam com isso. O Ministério das Cidades é o exemplo maior dessa irresponsabilidade. Mas não há saída, a não ser realizar a grande reforma urbana nacional. Ou nos encalacramos de vez.

Neste contexto, como está a sua Salvador? Destacaria alguma cidade brasileira como “modelo” de planejamento e desenvolvimento equilibrados?

Depois de uma década de descaso e inércia, Salvador está ao menos recebendo algum cuidado. Pouco, mas está. De outra parte, as demais cidades brasileiras também não vão bem. Veja os casos do Recife, paralisado, e de BH, com sua governança neoliberal. O mito curitibano se decompôs. Na verdade, Curitiba não passou de um caso exitoso de “city marketing”. Não vejo nada como “modelo” – no máximo, podemos aplaudir o esforço de Haddad em São Paulo. Só. Nossas cidades estão entregues à própria sorte.

Mudando de assunto: e essa sua nova aventura na prosa ficcional com o livro “Que você é esse?” (que, me parece, extrapola distinções de gêneros)? O que o levou a escrevê-lo e como o definiria?

O livro se move em dois planos. Num deles, tematiza grandes questões históricas nacionais, em perspectiva romanesca (índios, escravidão, candomblé, presença judaica em nossa formação, independência de 1822, etc.). No outro, trata do presente, da década de 1960 para cá, fazendo uma espécie de biografia de uma geração. Fala da luta contra a ditadura, do desbunde contracultural, do jogo sujo da publicidade e do marketing, do colapso do PT, para se espraiar em sonhos de uma nova sociedade.

Você integrou os núcleos de criação e estratégia nas campanhas políticas de Lula (2002 e 2006) e de Dilma (2010). Mais adiante, v. fez uma espécie de mea culpa – incluindo uma visão bastante crítica dos dois. Veio depois a crise e o processo de impeachment; hoje vivemos um complicado quadro político-econômico. Vê alguma luz no fim do túnel?

Não me lembro de quem disse que o problema nem é a luz – é que não há túnel… Na verdade, assistimos à desintegração total do atual sistema político brasileiro, com o executivo da afastada afundado em escândalos de corrupção e o executivo do interino a caminho disso, na mira da Lava Jato. O Congresso, por sua vez, é picadeiro da picaretagem. Mas não sou pessimista. Penso que vamos renascer em outro patamar (econômico, inclusive), soterrando de vez o establishment político ainda em vigor.

Comentários