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Outros sons, outros tons

10/08/2016 06:00:04

"Música de Invenção": reflexões sobre a música erudita moderna.
“Música de Invenção”: reflexões sobre a música erudita moderna.

Por Carlos Ávila

Diversos poetas brasileiros do séc. 20 tiveram forte e íntima relação com a música. Manuel Bandeira (1886/1968) tocava seu violão caseiro, fez crítica musical e teve vários de seus poemas musicados por Villa-Lobos, Jayme Ovalle, Mignone, Guarnieri e outros (inclusive Tom Jobim!). Mário de Andrade (1893/1945) tocava piano; foi também musicólogo, professor de conservatório e escreveu uma pioneira “Pequena história da música” – entre muitos outros trabalhos relacionados à arte dos sons.

Já Murilo Mendes (1901/1975) era um melômano apaixonado por Mozart, mas ligadíssimo à música de seu tempo: conheceu e escreveu sobre Villa e teve poemas musicados por Dallapiccola (este, ao conhecer MM, disse que tinha “descoberto um irmão”). Ainda foi amigo de Giacinto Scelsi, quando viveu em Roma, e ali entrevistou Stockhausen (JB – 29/6/1958). Chegado ao violão como Bandeira, Vinicius de Moraes (1913/1980) deixou a poesia de lado e se entregou de corpo e alma à música popular (foi parceiro de Jobim, Carlos Lyra, Baden Powell etc.) – embora também tenha poemas musicados por Cláudio Santoro (“13 canções de amor”), um músico erudito.

Desde os anos 1960, o poeta, tradutor e ensaísta Augusto de Campos (“quase um músico”, segundo o compositor Gilberto Mendes) vem escrevendo sobre música – tanto a popular (Noel, Mário Reis, Lupicínio Rodrigues, bossa-nova, tropicalismo), quanto a erudita. Muitos de seus poemas e traduções foram musicados por diversos compositores das duas áreas.

Mas chama atenção em Augusto, particularmente, a divulgação e a defesa apaixonada da música erudita moderna (de vanguarda ou experimental) – desde Schoenberg e Webern, passando por Cage, Stockhausen e Boulez, chegando até os compositores mais recentes, como o italiano Aldo Brizzi, por ex. Trata-se de uma verdadeira militância do poeta em prol dessa música – em geral marginalizada ou mesmo ignorada –, por meio de artigos e ensaios veiculados em jornais, revistas e sites.

Os textos de Augusto sobre a música moderna já foram reunidos num volume intitulado “Música de invenção”, em 1998, pela Ed. Perspectiva (Coleção Signos/Música). Acaba de sair um segundo volume – pela mesma editora e com o mesmo título, acrescentado agora do número 2 –, reunindo mais escritos seus a respeito dessa música mais complexa, de audição exigente (ou seja, não tonal, que foge de uma “organização sonora” linear e, muitas vezes, lança mão de recursos eletrônicos; ousadias instrumentais e vocais de todo tipo; silêncios & ruídos).

“Não sou nem pretendo ser historiador de música ou musicólogo de profissão” – afirma Augusto em sua introdução. “Tento apenas fornecer alguns exemplos de compositores que palmilharam novos caminhos, compositores-inventores”.

Seguindo esses novos caminhos, Augusto trata no seu livro de criadores importantes como Boulez (recém-falecido) e Stockhausen – e de outros pouco conhecidos ou ouvidos entre nós. Curiosamente, dá grande destaque às mulheres-músicas: a americana Ruth Crawford, a russa Galina Ustvólskaia, a germano-americana Johanna Beyer, a cubana Tania León e a finlandesa Kaija Saariaho (talvez a nossa Jocy de Oliveira, já octogenária, também pudesse ser incluída nesse grupo). Augusto fala ainda no experimentalista vocal Demetrio Stratos (cantor-compositor que, por incrível que pareça, já foi tema de um livro da pesquisadora brasileira Janete El Hahouli) e no já citado Aldo Brizzi, atualmente radicado na Bahia. Mas há muito mais neste atraente “Música de invenção 2” – contribuição original e necessária do incansável estudioso para o conhecimento da música moderna no país.

O poeta reúne uma gama infindável de informações sobre os músicos e os temas abordados – vai do LP ao CD e à internet (Youtube). Aliás, graças à internet podemos ter acesso a esses novos – e muitas vezes estranhos – universos sonoros que Augusto traduz com palavras exatas, raras e claras.

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