Blog CULTURA

ZUM – imagens no tempo

03/08/2016 06:00:53

Por Carlos Ávila

Irmãs Brown: a primeira foto (1975) e a última, em 2015.

Entre tantas publicações indiferenciadas e convencionais, em circulação atualmente no país, a revista “ZUM” (Instituto Moreira Salles – IMS), dedicada à arte fotográfica, destoa positivamente. Editada com critério, bem diagramada e impressa – uma espécie de revista-livro, com cento e tantas páginas – a “ZUM” traz sempre criativos ensaios fotográficos e textos importantes. Seu décimo número, uma edição comemorativa especial, impressiona pela qualidade e pela variedade do material publicado.

Em geral, as colaborações incluem fotógrafos brasileiros e estrangeiros, e também especialistas/ensaístas de alto nível, que analisam ou “esmiúçam” as imagens – ou ainda entrevistam e trocam ideias com os criadores. Séries ou conjuntos de fotos – a cores e em P&B – recheiam a publicação, dando “movimento” à mesma e atraindo a uma simples folheada.

Esse número 10 traz fotos do japonês Tatewaki Nio (revelando a exótica arquitetura periférica de La Paz), do artista Odires Mlászcho (que se apropria de fotografias de guerra), do sueco Lars Tunbjörk (“mestre da cor e da ironia”), do ucraniano Boris Mikhailov (fotomontagens nonsense e críticas sobre seu país), do espanhol Antoni Abad (um experimentalista que “dá voz a grupos discriminados socialmente”, entregando celulares com câmeras a eles) e do alemão Michael Wesely (“palimpsestos visuais” que registram a reconstrução da Potsdamer Platz, em Berlim). Há também análises dos “cartões Shirley” (produzidos pela Kodak, a partir dos anos 1940) e das fotografias de capa do New York Times (entre 1997 e 2014).

Os textos da “ZUM” são de professores e estudiosos como, por ex., Nelson Brissac, Jorge Coli e Guilherme Wisnik – entre os brasileiros – e de nomes importantes de outros países: críticos de arte, curadores, jornalistas especializados, escritores, sociólogos etc. Enfim, uma pluralidade de visões esclarecedoras e bem fundamentadas.

Mas os destaques dessa edição comemorativa são um dossiê sobre os experimentos fotográficos de José Oiticica Filho (1906/1964) – também pintor e entomologista; pai do artista plástico Hélio Oiticica, – e a série de fotos “As irmãs Brown”, do norte-americano Nicholas Nixon, acompanhadas por uma entrevista dele à curadora de fotografia do MAM de Nova York, Sarah Meister.

Infelizmente, até o momento, só temos um livro-catálogo sobre Oiticica Filho (lançado de 83); seu trabalho somando abstração e construtivismo é pioneiro no Brasil: radical e criativo (faz par, de certa forma, com o trabalho fotográfico de Geraldo de Barros). Na “ZUM”, um ensaio de Andreas Valentin aborda a trajetória de Oiticica Filho, ainda a ser mais bem conhecida e divulgada no país, por sua ousadia e poesia visual.

Ah! As irmãs Brown (vejam as fotos); trata-se de uma interessantíssima série de imagens de quatro irmãs: Bebe – casada com o fotógrafo Nicholas Nixon – Laurie, Heather e Mimi. Nixon as fotografou sempre juntas, desde 1975, em Connecticut (EUA), por quarenta anos. O que vemos nos “mapas” dos seus rostos, ano a ano, é a pura expressão da passagem do tempo – do envelhecimento sem saída. Marcas da vida e do amadurecimento de cada uma das Brown.

Na primeira foto Mimi tinha 15 anos; Laurie, 21; Heather, 23 e Bebe, 25 – todas jovens e belas. A 41º foto, a mais recente, foi realizada em Massachusetts, em 2015 – as Brown velhas e com rostos marcados pelo tempo. Segundo Nixon, “quem vê as fotos pode perceber qual é extrovertida, quais estão satisfeitas consigo mesmas em certo ano, quem dá mais atenção à aparência de ano para ano e, quem sabe, a idade delas…”.

A intenção de Nixon é continuar a fotografá-las “enquanto eu e pelo menos uma delas estivermos vivos”; suas fotos lembram os versos de Eliot: “O tempo presente e o tempo passado/estão ambos talvez presentes no tempo futuro/e o tempo futuro contido no tempo passado./Se todo tempo é eternamente presente/todo tempo é irredimível”.

Comentários