Toques de Maiakóvski
03/06/2016 06:55:26

Por Carlos Ávila
Em coluna recentíssima sobre a morte de Boris Schnaiderman – escritor, tradutor e ensaísta –, chamei atenção para a importância de seu livro “A poética de Maiakóvski”, cuja primeira edição saiu em 1971, pela Ed. Perspectiva, na coleção Debates.
Trata-se, realmente, de um livro obrigatório para poetas e curtidores de poesia, assim como o “ABC da literatura”, de Pound – ou ainda os ensaios de Eliot, Valéry e Octavio Paz. Além de escrever uma longa e esclarecedora introdução (repleta de informações úteis), Boris reúne e traduz naquele volume textos fundamentais de Maiakóvski (1893/1930) sobre poesia e arte em geral. São alguns fragmentos desses escritos teóricos do grande poeta russo – um dos mais importantes do séc. 20 – que selecionamos e transcrevemos abaixo (homenageando novamente Boris). Toques certeiros. Precisos.
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A arte deve-se ligar estreitamente com a vida (como função intensiva desta). Fundir-se com ela ou perecer.
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Ofício da palavra (mas não como estilização estética): trabalhar o léxico (invenção de palavras, instrumentação sonora etc.); substituir a metrificação convencional dos iambos e troqueus pela polirritmia da própria língua; revolucionar a sintaxe (simplificação dos agrupamentos vocabulares, incisivo emprego do inusitado etc.); criar modelos surpreendentes de construção de argumento; ressaltar o berrante de cartaz, que há na palavra etc.
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Eu não forneço nenhuma regra para que uma pessoa se torne poeta, para que escreva versos. E, em geral, tais regras não existem. Damos o nome de poeta justamente à pessoa que cria essas regras poéticas.
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Na obra poética, a novidade é obrigatória. O material das palavras e dos grupos de palavras de que dispõe o poeta deve ser reelaborado. Se para a elaboração do verso utiliza-se o velho entulho vocabular, ele deve estar em rigorosa correlação com a quantidade do material novo. Da qualidade e quantidade deste novo vai depender o emprego de semelhante liga.
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Algumas palavras simplesmente pulam fora e não voltam nunca mais, outras se detêm, reviram-se e revolvem-se algumas dezenas de vezes, antes que você sinta que a palavra ficou no lugar certo (é a este sentimento, que se desenvolve a par da experiência, que se dá o nome de talento).
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A nossa pontuação habitual, com pontos, vírgulas, sinais de interrogação e de exclamação, é demasiado pobre e pouco expressiva, em comparação com os matizes de emoção, que hoje em dia o homem tornado mais complexo põe numa obra poética.
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Se um livro é endereçado a uns poucos como a energia de Volkhovstrói se dirige a umas poucas estações transmissoras, para que essas sub-estações distribuam pelas lâmpadas elétricas a energia reelaborada, semelhante livro é necessário.